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quarta-feira, 3 de março de 2010

Espio um jardim

Imagem: Chagall


Cercas sem arames farpados. Um verde de mastigar com os olhos. Ponte que faz Poti tocar a mão de Iracema, fortemente. Sorrisos de estremecer o corpo. À sombra dos eucalipitos, enraizamos nossas juras de amor sob a testemunha da mãe-terra - molhada, cheirosa, fértil. Eu me rendo e dou de ombros às súplicas das tempestades sem abrigo. Você me quer livre e eu me permito sentir o gosto doce desse passo. Te quero, meu cheiro amadeirado, trazendo as boas novas daqueles campos onde o amor não se valida com as inflamações torpes, as nocivas labaredas, onde os ossos se fraturam nas esquivas - o amor não é desamor. Munido de tinta azul, nosso lar já se ergue na beira do ribeirão com grandeza de mar. Beijo tuas mãos.


Obs: Texto escrito em volúpia, sem censuras, como uma queda d'água que flui em rapidez, inspirado nas palavras de um jardim suspenso.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Da madrugada


É um pecado deixar essas preciosas horas da madrugada para ir dormir... É sabido que eu, tão girassol, fico circulando às tontas durante o dia - só a madrugada me devolve a sanidade. Então repouso, ainda que torta, onde ninguém me alcança. Sozinha, e acolhida pelos longos braços da deusa noite, purifico-me com água quente, sob a luz das minhas velas imaginárias espalhadas pelo quarto, como num ritual muito sagrado. E colho, com minhas mãos em concha, as letras viscerais de mim: doloroso processo para me salvar.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pouco antes, era blues. Naquele momento, era chuva. O quarto azul me fazia esquecer que estávamos em carnaval (ali parecia mais um bangalô que vi certa vez na praia dos carneiros, em feriado tranqüilo). Noite, seja longa. Chuva, não pare tão logo amanhecer (eu pedia em silêncio para que então nosso quarto de mar se ampliasse para dentro de nós).
Corpos de sal grosso, cama-enseada - a baía que não cortava a nossa distância.
Ê desassossego que tem tornado as noites mais longas. Peço calma e meu coração transborda inquietude. Peço serenidade, mas está tudo tão bagunçado, em andanças desordenadas, que o azul só existe em olhares alheios, em fotografias de lugares estranhos ao meu descompasso. Quando penso estar gerando bons movimentos, mirando em um ponto sensato, o universo me pega pelos pés, fico de ponta-cabeça e o sangue, mal circulado, deixa meu corpo gélido e minha mente em chamas. As farpas que me atacam não são para mim. Isso é fato claríssimo. Eles querem me empurrar num abismo que não é meu e me dar de presente uma dor que não é minha. E eu só quero levar meus dias em paz, no meu passo ritmado, nas diretrizes que tento estabelecer arduamente. Eles me sugam até o último fio de cabelo e, não satisfeitos, querem ser ditadores da minha opinião, para que seus caminhos tortos e mesquinhos possa se perpetuar. E eu não sei quem é mais cego entre nós todos. Tento me esquivar do possível caco arremessado em minha direção. Escapo, mas não ilesa. Mil cacos me ferem por dentro e meu alicerce parece entrar em decomposição. Busco loucamente a porta de saída. Tem de existir. Ponto.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

“que medo alegre o de te esperar”
clarice lispector

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

E esses olhos, cor de minha cachaça preferida, a me fitar? Tão serenos. E esse sorriso cor de areia branca, de abrir caminhos em mim? Leveza de toque na perna, de mão na mão, de beijo na bochecha, de língua que espera. O silêncio bem aceito, o sentir que dá gosto, íris sempre a caçar as miudezas. De certo, ele gosta dos vazios como eu e quis carregar água na peneira também. Ele pára e olha o movimento que o vento faz nos meus cabelos, fica ali olhando, contando das suas andanças e eu, como sempre, flor aberta, respirando maresia, entardecendo: estamos sendo, diria ela que faz festa em minha estante de livros.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

mar de pôr do sol



Baía Formosa/RN - 08/01/09 - Foto de minha autoria



Tão logo o sol se pôs no porto,
entrei no mar.

Resquícios de luz
fizeram dele um alaranjado só,
num banho de me dourar: tão pérola.

Sozinha com meus pesos,
meus sais
meus tempos
- sou fênix marinha e meus descaminhos vicejam e me purificam
[ quando a água me acolhe.




quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Para a virada de ano...

"É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus.
Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada."

Caeiro

______

Que nesse próximo tenhamos mais tempo para olhar com mais poesia as coisas ao nosso redor, que respiremos melhor, que cuidemos mais do nosso corpo. Mais tempo para viajar e descobrir esse mundão, mais tempo para os encontros gostosos com as pessoas queridas, para ler aqueles livros que empilhamos na estante. Mais tempo para que não optemos somente pelas coisas descartáveis, para que revelemos nossas fotos digitais, para arrumar nosso quarto, para comer uma comidinha caseira, para visitar nossos avós, para fazer a diferença e, principalmente, reavaliar nossas atitudes que influenciam negativamente na vida das outras pessoas. Acho que isso já resume um bocado das minhas expectativas e votos.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Se eu não consigo te sentir, a distância é ocupada por um grande vácuo. Não sei ficar à mercê do acaso, dos encontros efêmeros e desastrados numa hora que nunca sabemos quando vai ser. Os ritos e a comunhão vão se desgastando por estarem a esmo.

Em tempo: o meu amor ainda caminha sobre frágeis trilhos de papel.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Onde alcançar o espaço no teu coditiano capaz de me aquecer? Você me vem de forma tão pesada, quase nem me olha no olho. Eu me pego a sempre tolerar seus sumiços, nesse duelo de bicudos, nesse vão que me parte ao meio. Onde você está por detrás de tantas roupagens e subsídios inúteis? Cadê meu herói para me preparar vitaminas de abacate e me carregar ao colo toda vez que eu adormecer no carro, no caminho de volta para casa? Que saudade dos passeios no parque que não fizemos, dos filmes que não vimos juntos, de todos os lugares do país que você visitou tantas vezes e nunca me levou contigo. Que saudades da tranqüilidade que não te era peculiar, do compasso ausente em nossos diálogos e do tempo que você não tinha para mim, para nós. Você sempre tão prestativo para os outros e tão azedo para mim, cego ou tão temeroso para as minhas lacunas. Tantas projeções, lamas desnecessárias, muros intransponíveis de silêncio. Que medo você tem de se aproximar, de pedir colo, de acalentar? Foge ofegante para não implorar ajuda e tem, em colos alheios, o carinho que necessita. Em colos sujos, enquanto você rejeita o que te é sagrado.

domingo, 30 de novembro de 2008

A intimidade

Ao som de: Cat Power - Wild is the wind



Gosto quando a intimidade vem sorrateira, sem pedir licença, quando cai como luvas em minhas mãos ressecadas. O clichê faz sala para as palavras, mas eu pouco me importo se é piegas e tão dito pelas bocas mundo afora. Importa-me mais ser chamada pra deitar no teu peito e querer, querer também as pernas encaixadas e nossos pés com linguagem própria. E a gente se olha com timidez e a intimidade já está lá, sem muito tempo a perder, fazendo tanto por nós. Lava a louça antes que a gente se incomode, prepara sobremesas, o banho, economiza pratos, cerimônias, dizeres... A intimidade ri da dor de barriga imprevisível, do beijo quando descompassado, das gafes que nenhum cinéfilo perdoaria, da música brega que insiste em martelar na cabeça. Ri dos nossos olhares, das nossas inquietações, dos monstros que somos nós e não somos e não sabemos.

sábado, 15 de novembro de 2008

2.2

O tempo passou por aqui e eu mal o vi. Em um ano, correu ligeiro, tropeçando nos batentes e esbarrando nas pessoas, mais acelerado que outrora. Passou sem que eu pudesse me demorar numa dança, num beijo, num abraço de cais de porto. Fiquei ansiosa com tudo às pressas, achando que me expor, algumas vezes, era o mesmo de fazer bom uso dessa ironia chamada tempo. Enganei-me, cedi às súplicas e me pus a vivenciar a maratona como se o tempo pudesse me deixar para trás. Que bobagem! O tempo não desprende o menor esforço para nos empurrar para frente. É como maré que está enchendo... E as coisas perecíveis se acabam antes que a gente possa enxergá-las de verdade. Então eu peço a paciência da música clássica, do violão do choro e o fôlego do sax. Peço o mar em fim de tarde e que eu possa me demorar em conversas intermináveis, nas noites de céu limpo. Peço para que eu não me esconda por medo dos outros. Peço para conseguir captar o que os outros realmente são à parte de todas as minhas projeções e expectativas e que eu lhes faça companhia mais por eles que por mim algumas tantas vezes. A nova idade vem como marca principal o desejo de reconstruir, resgatar, montar aquilo que eu acredito com as peças disponíveis ao meu redor, depois de cinco anos de desconstrução e limpeza dos destroços. As tais peças vêm de repente sem que eu precise nem procurá-las.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Quando eu quis ser grande

Ser grande era pertencer, eu pensava. Queria me tornar grande para poder ser, enfim, parte de vocês. Quando chegaria? – eu divagava todas as noites. – Será hoje? – ritualizava toda a espera. Não, não era hoje. Eu tinha paciência. Tentava me aproximar pelas beiradas, mas quando descobria um lugar vago, era rapidamente afastada dali. Foi assim quando vocês me tiraram daquela cama e me devolveram à rede localizada no pior canto da casa. Nem ouviram que chorei baixinho a noite inteira, nem queriam ouvir. No outro dia, eu sempre me contentava com as migalhas de atenção. – senta aqui, pode ouvir nossa conversa, hoje é seu dia de sorte porque vamos te levar à praça logo ao anoitecer – vocês diziam e eu explodia de felicidade. Uns não queriam de jeito algum: eu incomodava, atrapalhava como uma caixa de papelão que polui a decoração da sala. Mas eu sabia que quando fosse grande seria tudo diferente. Era meu segredo e meu maior sonho: ser grande. Quando o dia chegasse, vocês iriam me olhar de verdade e me amar tanto quanto eu os amava. Eu teria de volta a minha voz. Então, tinha pressa em ser grande, nem que para isso eu passasse maior parte do tempo sozinha, pulando fases, incorporando seriedades. Eu, tão menina, queria homens consideravelmente mais velhos apaixonados por mim e surpresos pela maturidade que não condizia com a idade cronológica. Era deleite, era gozo. Ganhei minha maioridade bem antes do tempo, tinha carta branca para viajar sozinha para onde bem entendesse, comecei a trabalhar antes dos dezoito e não fui morar em outro país apenas por falta de grana, mas ousei mais do que poderia supor, extrapolei os limites de cada fase e fui além, tudo para chegar mais rápido. Se eu queria pertencer, precisava ser grande. E me tornei - um dia me dei conta. Olhei ao redor e tudo era como imaginava, como visualizei, menos pertencer a vocês. Na minha luta íntima, solitária e silenciosa, fui me afastando e vocês, como sempre, nunca notaram. Sangue do mesmo sangue, tantos traços comuns, tantos encontros contrastando com abraços frios e as tentativas de conversas vazias e desprovidas de sentido. Hoje só sinto essa estranheza do lado de cá e uma indiferença enorme desse lado daí. E tudo fica por isso mesmo? Não. Cecília Meireles provavelmente teria transformado tudo em poesia, como se tocando fogo em seus sentimentos, jogasse depois as cinzas, silenciosa, no mar. Fiz isso por muitos e muitos anos, até aprender com Clarice (sim, a Lispector): “Há o direito ao grito, então eu grito”. Porque, depois de tanto tempo, eu descobri que para gritar não precisa ser grande.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Vinho






in vino veritas.

e no jogo?

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Quase três horas da manhã. Todos os cômodos da casa estão escuros, exceto por aqui, ao meu redor, com essa luminária cor de prata acesa. A cidade é lavada impiedosamente por uma chuva ininterrupta. É água tomando conta de tudo e a gente acaba ficando mais só, assim, sem muita escolha. Gosto quando a natureza põe as coisas em seus devidos lugares e mostra quem controla quem. Fernando Pessoa se vestia de Alberto Caeiro em dias mais céticos – nem por isso menos poéticos – e defendia que não há mistério algum no mundo, que tudo está de acordo e vale à pena. É, tem dias em que também acordo meio Caeiro, mas hoje não. Hoje eu me pego pensando nesse indizível da matéria do mundo, sentindo uma inquietude por estranhar essa coerência tão incoerente do espaço e da vida residente nele, a vida com prazo de validade que teimamos em eternizar.
Um café alivia o frio tal qual um abraço ou um deitar no peito de quem amamos. E aí chegamos a pensar ser nesse novelo bom de sensações que o significado de tudo se dá e se finda. No entanto, quando estamos sós, muita coisa parece se desconstruir ao passo em que engolimos o mundo com ansiedade (ou nós somos engolidos por ele?) – fragmentos de certezas descartadas por todo o corpo ou nosso corpo desfragmentado em certezas invisíveis.