(Clarice Lispector. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. P. 121)
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Carne viva
(Clarice Lispector. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. P. 121)
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Adélia Prado
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Clarice Lispector
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Hilda Hilst I
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
"O teu passo de ferro
Esmaga o que na noite foi minha vida
E recomeço. E recomeço. ..."
Aquelas delicadezas, umas rendas, uma casa de seda
Para meus olhos duros."
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Dúvida
“Aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor:
onde um homem projeta seu perfil e pergunta atônito:
em que direção se vai?”
(Adélia Prado: O Coração Disparado)
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Caio Fernando Abreu in "Os dragões não conhecem o paraíso", p. 148.
terça-feira, 29 de abril de 2008
Receita para lavar palavra suja
Mergulhar a palavra suja em água sanitária, e depois de dois dias de molho quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras, quando são alvejadas ao sol, adquirem consistência de certeza, como, por exemplo, a palavra vida. Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas e desgastadas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra e depois enxaguar em água corrente. São poucas as palavras que resistem a esses cuidados, mas sempre existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram sujeiras difíceis, mas toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão. Eu nunca vi palavra tão suja quanto perda; perda e morte, na medida em que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo que atende pelo nome de amargura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua. O conselho nesse caso é mantê-las de molho num amaciante de boa qualidade.
Mas se o que você quer é só aliviar as palavras do uso diário, pode usar sabão em pó e máquina de lavar. O perigo é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. Culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra, e deve sempre ser alvejada sozinha. Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo. Desejo é uma palavra intensa e pode, o que não é evitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.
É importante não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. Aquela sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.
Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Conviva com as palavras durante alguns dias, deixe que se misturem em seus gestos e que passeiem pela expressão de seus sentidos. À noite, permita que se deitem não ao seu lado, mas sobre o seu corpo. Enquanto você dorme a palavra plantada em sua carne prolifera em toda a sua possibilidade.
Se você puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, aí você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
Viviane Mose
Filósofa, psicanalista