sexta-feira, 28 de março de 2008

Vez ou outra, eu resolvo entrar pela sua rua, passo em frente à casa dos seus avós e fico me perguntando se você ainda mora por lá ou o que será que faz naquela madrugada em que eu vejo teu carro estacionado e a as luzes em tons lilases por entre as frestas das janelas que sempre acreditei serem do seu quarto. Verá um filme bacana? Fico tentando adivinhar. Algumas vezes coincidiu de eu passar no mesmo horário em que costumávamos nos telefonar e conversar sobre essas dores do existir. Você dizia que nunca ia largar minha mão, lembra? E me sentia imensamente feliz.

Existia um lugar onde eu era sozinha, insuportavelmente sozinha. Um lugar que me dava medo, então eu o comprimia quantas vezes pudesse para escondê-lo num beco escuro. Eu tinha vergonha dele até você chegar e me mostrar como ele não era meu. Que ele existia independente de mim e você fazia parte. Um lugar que se tornava absurdamente mais bonito quando era compartilhado. Pensei ter muita sorte por descobrir a beleza de tudo que eu sentia e pensava sobre as coisas. Era como uma fraternidade secreta e poucos teriam acesso. Assim como Tereza pensou ao encontrar Tomas em “A insustentável leveza do ser” (Milan Kundera). Achei que era única no mundo para você e você era único no mundo para mim, tal qual a flor do pequeno príncipe. Sem perceber, associei você à beleza que acabara de descobrir. Quem assim não teria a mesma importância? Como se tua mão tivesse me resgatado do vazio que me obrigava a sentir vergonha do que eu tinha de mais precioso. E quando você resolveu ir embora, eu tive medo que tudo voltasse a ter a cor cinzenta de antes. No entanto, o que vi já não podia ser tirado de mim. E mais: o caminho estava só começando a ser descoberto. Encontrei pessoas incríveis e percebi que a tal fraternidade é mais habitada do que minha arrogância supunha. Quase cinco anos se passaram. É claro que eu não sou mais a mesma e endureci deveras, mas uma das diferenças mais gritantes é que desde então nunca mais eu tive seus passos acompanhando os meus, ainda que por poucos dias, simplesmente porque você bloqueou o canal e até hoje eu espero que você volte, mesmo que qualquer um diga que eu só fui um brinquedo eficiente para o seu sadismo. E isso dói forte e pinga lentamente como um conta-gotas.

domingo, 23 de março de 2008

Da série: narrativa de metaformoses I

De súbito, lembrou-se da passagem de A paixão segundo G.H. onde Clarice narra o episódio da barata e riu em pensamento por causa da comparação esdrúxula. Mesmo que tentasse pensar, sabia que não conseguiria. Era coisa demais para a sua cabeça de ervilha. E se conseguisse? Teria medo? Constrangimento? Tudo que ela queria era a possibilidade de um botão de retroceder, entretanto não naquele exato instante. Ali, não sabia o que queria, mas desejava ter qualquer válvula escapatória pra quando processasse qualquer coisa. O pior é o fato de, no frigir dos ovos, não se tratar de uma questão de querer e, sim, de ser. Em quê se transformaria, pois? Seria muito ou pouco? Temia o buraco até então desmedido que sua alma fazia-lhe o favor de formar. – Ai! Deve ser denso -, pensava ela, captando os presságios. Já seria um caminho para algo maior que a liberdade que julgava conhecer? Tudo por causa de um momento em que resolvera afundar em si. Até pouco antes, havia uma barreira invisível que não a deixava ultrapassar as linhas-limites de si própria. Como um gole de uísque que nunca conseguiu dar, por anos, só por julgar ser muito forte. É claro que um dia até experimentou, mas fazendo questão de adicionar qualquer coisa mais doce e já conhecida. Infelizmente, ali não dava para misturar com açúcar mascavo. Engoliu a seco mesmo e, como se bloqueasse involuntariamente, nada sentiu, mas um pano de fundo lhe era muito claro: não tem volta, não tem volta, não tem. Quem era ela pra contrariar Caio Fernando Abreu quando disse que se você conseguir um dia realmente ver, você estará perdido, pois nunca vai conseguir voltar atrás no que viu e as coisas jamais voltarão a ser as mesmas?! Então se tudo que a gente percebe é porque já sentiu, estaria ela perdida? Pensou e suou frio.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Como não resisti colocar o texto anterior ao invés de poucas linhas de boas vindas aos leitores, que ainda não existem, vou tentar fazê-lo agora.
Tenho blog desde 2002 - época em que o esquecido weblogger bombava em novos usuários por dia. Em tempos onde o orkut nem existia, era um ótimo passatempo disputando páreo duro com o icq. Acho que nem msn messenger era tão popular. Bem, as tardes eram infinitas. Dava tempo de fazer e desfazer layouts pro meu blog estilo diarinho e conhecer um punhado de gente bacana. Foi por causa dele que descobri que escrever era melhor que morango com chantily. Por causa dele, eu consegui canalizar coisas dificílimas de digerir para uma menina de 16 anos. Aquela adolescência turbulenta mesmo, com direito a noites de choro embalada às canções de Legião Urbana.
Um ano depois, mudei para um blog chamado
interlúdio, onde e escrevi e acho que ainda escrevo de vez em quando. Então me perguntem: por que mudar pra esse espaço, então? Responderei: São cinco anos, caros leitores. Os arquivos estão abarrotados de tanta densidade e história. E ultimamente, não sei porque diabos, eu só tenho conseguido escrever fragmentos apressados, carregados de tooooodo esse passado. Talvez seja a hora de tentar algo em outro terreno, como se começasse do zero. Fênix, escorpião... mania de morrer várias fazes só pra ter esse gostinho bom de sentir esvaziada. Vai entender, né? Espero que dê certo e as letras resolvam fluir mais.

terça-feira, 18 de março de 2008

Sobre referências e pedrinhas

Duas de minhas referências caíram feito pedrinhas em fundo de piscina. Essa analogia, que eu nem sei se já foi utilizada por alguém, faz total sentido quando lembro delas pulando das minhas mãos pequenas para um chão mais profundo, sendo visualizadas com a mesma transparência de uma água límpida. A diferença é que hoje não sou mais aquela criança entusiasmada, com um pique fantástico para mergulhar e resgatar as benditas quantas vezes quisesse. O fôlego já não é mais o parceiro de sempre. Ando me cansando muito facilmente.

(Ai. Pense como é difícil escrever sobre isso, colocar o dedão na ferida que se abriu, mas sei que é preciso).

De um lado, a ausência e a inconstância. Depois de muito ser escaldada, sou um gato covarde e trêmulo. Não bastasse isso, viramos dois desconhecidos. Minhas necessidades provavelmente nunca vão ser bem recebidas e só conseguimos falar a mesma língua na hora do jogo de farpas. Mas já doeu mais.

Do outro, a coerência, antes irretocável, começou a borrar e já atrapalha a minha visão quase que totalmente. Já não sei mais de quem se trata, na verdade. O que deseja, espera do mundo e o que ama. Parece ter se esvaziado de si para dar lugar a uma ilusão das mais egoístas. E ninguém mais entra no seu mundo a não ser sua perigosa ilusão, onde inclusive se tornou ínfimo para si próprio. A brincadeira de “autista por opção” tomou proporções antes inimagináveis: perdeu aquela coragem de sentir o sol arder na pele para lembrar que está vivo. Talvez não queira mesmo e nem sinta falta. Pudera eu não sentir falta, não sofrer pelas sobras que recebo e pelo que sou obrigada a ver. O mundo não perdoa. É mais cruel e cortante do que eu supunha quando era viciada no modo Legião Urbana de ver o mundo, nos melhores anos (e ingênuos) da adolescência. O mundo só nos tira o que a gente acreditava ter.



"Quase acreditei na sua promessa

E o que vejo é fome e destruição

Perdi a minha cela e a minha espada

Perdi o meu castelo e minha princesa"

(Legião Urbana - Metal contra as nuvens)