domingo, 30 de agosto de 2009

terra e água

essas chuvas ácidas
bem sei o que traz:
a íris que me finca em solo fértil,
o abraço que me torna pequena,
a boca que se crava em minhas costas
(quando, em carne, somos suor e fome).

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também sou polarizada,
inflamada e perdida.
trago entulhos:
facas cegas, frases incompletas, murchos girassóis noturnos.

recebe, novamente, a mim.
saliva agridoce, mar alaranjado,
esse desajeitado coração dilatado...

terra e água,
preces para nos sabermos,
como antes,
sagrados.

sábado, 29 de agosto de 2009

Something There is About You

Something there is about you that moves with style and grace I was in a whirlwind, now I'm in some better place. Bob Dylan

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ele, das íris mais prósperas, segurou timidamente a minha mão e depois me tirou para dançar. Fez um carinho discreto em minhas costas. Gentilmente, sem me invadir. Achei sutil e charmoso. Correspondi no mesmo ritmo. De volta para casa, Bob Dylan no som, diminuindo o espaçamento da nossa comunicação cheia de sulcos. Um jeito torto de dizer: estamos muito perto.
eu faço samba e amor até mais tarde
e tenho muito sono de manhã.

chico buarque

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Já.

Nem deve ter prestado atenção quando eu contei que tinha varrido para debaixo do tapete. Fiz drama, insinuei desespero. Tão bobo, não vê que o tapete está na minha casa e eu sei muito bem levantá-lo? Boba eu, talvez, que vejo com tanta dificuldade algo tão simples. Costuro minha sombra de volta: ele e aquele outro já me olham diferente e eu não me sinto fraca. Ponto. Quero ficar só. Estou bem aqui, eu com minha lucidez. Nada de cacos sobre a pele. Descanso do rastejar que abomino. Tenho de volta a liberdade do meu trânsito,. Avante em movimentos fluorescentes (quadro de Hendrix a testemunhar íris mais prósperas). Se é só por hoje? Quem se importa?


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Hilda Hilst I

Sonetos que não são

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.


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"O teu passo de ferro
Esmaga o que na noite foi minha vida
E recomeço. E recomeço. ..."



"E que para mim construam
Aquelas delicadezas, umas rendas, uma casa de seda
Para meus olhos duros."

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Dúvida


“Aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor:
onde um homem projeta seu perfil e pergunta atônito:
em que direção se vai?”

(Adélia Prado: O Coração Disparado)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Da madrugada


É um pecado deixar essas preciosas horas da madrugada para ir dormir... É sabido que eu, tão girassol, fico circulando às tontas durante o dia - só a madrugada me devolve a sanidade. Então repouso, ainda que torta, onde ninguém me alcança. Sozinha, e acolhida pelos longos braços da deusa noite, purifico-me com água quente, sob a luz das minhas velas imaginárias espalhadas pelo quarto, como num ritual muito sagrado. E colho, com minhas mãos em concha, as letras viscerais de mim: doloroso processo para me salvar.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

tem uma madrugada comprimindo a minha dor.

domingo, 9 de agosto de 2009

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Centelhas anestesiam minha pele rasgada,
Sem costurar os vãos.
Os goles de vinho descem sem me inflamar
E me exigem a incumbência de secar o chão.



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A noite se ampliou
Quando o teu silêncio coube
No meu descompasso.


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Chove e sinto frio.
Livra-me, esta noite,
com teu corpo-cabana,
De molhar minha ferida?


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Tão poesia: a mão dele deslizando três vezes na curva entre meu ombro e pescoço.
Ali - Caio Fernando me disse -, onde o cheiro de nenhuma pessoa é igual ao de outra.


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sábado, 8 de agosto de 2009

Nunca que vamos dançar juntos naquela roda de samba.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

II




eu teria deixado meu lenço lilás contigo
- fim de noite, tua casa tão perto...
todavia, respondendo meu apelo,
Petrópolis vazia me entregou a recusa.
e em silêncio gritante,
engavetei meu cheiro-presente.

domingo, 2 de agosto de 2009

Assumi os riscos
Despindo-me de toda a razão.
E os cactos para te ferir,
Puseram-se torcidos, punindo meu fraquejar.

Teu peso destemperado
Não tornou leve meu corpo de medos.
Teu olhar fugidio
Já não era mais prenúncio do meu azar.