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quarta-feira, 8 de abril de 2009

Pouco antes, era blues. Naquele momento, era chuva. O quarto azul me fazia esquecer que estávamos em carnaval (ali parecia mais um bangalô que vi certa vez na praia dos carneiros, em feriado tranqüilo). Noite, seja longa. Chuva, não pare tão logo amanhecer (eu pedia em silêncio para que então nosso quarto de mar se ampliasse para dentro de nós).
Corpos de sal grosso, cama-enseada - a baía que não cortava a nossa distância.

segunda-feira, 2 de março de 2009

valsa brasileira

Você tão alma pronta para entrega e eu com tantas amarras. Você então me chamou pra dançar e conseguimos uma maciez rara nos passos. Você com medo de me invadir, eu com medo de permitir. Aceitei o beijo e eu que te explorei a boca. Você gostou do meu cheiro e eu das suas mãos, enquanto sua voz baixinha soprava uma valsa brasileira. Tive, sim, vontade de fugir, mas estava tudo tão bonito...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

E esses olhos, cor de minha cachaça preferida, a me fitar? Tão serenos. E esse sorriso cor de areia branca, de abrir caminhos em mim? Leveza de toque na perna, de mão na mão, de beijo na bochecha, de língua que espera. O silêncio bem aceito, o sentir que dá gosto, íris sempre a caçar as miudezas. De certo, ele gosta dos vazios como eu e quis carregar água na peneira também. Ele pára e olha o movimento que o vento faz nos meus cabelos, fica ali olhando, contando das suas andanças e eu, como sempre, flor aberta, respirando maresia, entardecendo: estamos sendo, diria ela que faz festa em minha estante de livros.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Das escolhas I

Ela tinha duas escolhas: recuar ou se expor. Difícil identificar a mais sábia para o momento. Tomou mais algumas cervejas, fumou um cigarrinho e respirou fundo. Optou pela espontaneidade, mesmo sabendo de todos os riscos que ela também poderia trazer. Previa as cenas de um já conhecido filme de drama, onde era sempre a figurante imóvel, tímida, sem voz. Decidiu reescrever o roteiro – ali seria diferente, tinha de ser. Se bem sabia o que queria, por que aceitar que uma situação tão constrangedora estragasse sua noite? Sempre admirou as mulheres que não davam o braço a torcer fácil, que ousavam assinar seus nomes embaixo de cada feito repudiado pelo falso moralismo. E, além do mais, não tinha nada de ilegal em mover algumas pecinhas no tabuleiro e mostrar: “ei, eu estou aqui e não vou sair aborrecida desse cenário antes de dizer o que penso e sinto”. Isso, sim, era coerente, ela sabia, mesmo que um ciclo se fechasse logo após. Significava permitir se enxergar e agir sob outras óticas, sobretudo. Nem sabia da desolação do dia seguinte, daquela sensação ressacada advinda da exposição, da falta de resguardo, de ter seus passos acompanhados por olhares curiosos e de possíveis desafetos. Mas, ainda bem, sabia que se fortalecia por escolha própria, por não se acovardar em se impor.
E só os deuses e as pessoas mais íntimas captariam a imensa importância disso.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Me lava a alma e me leva embora

Parecia um inferno astral fora de época. Após um mês de reclusão voluntária, resolveu tomar um banho demorado e se arrumar para a saída da noite, como se estivesse seguindo um precioso ritual. Escolheu a calça jeans que melhor desenhava o seu corpo da cintura para baixo e uma blusa vermelha, decotada na medida certa para não ficar vulgar, apesar da cor já sugestiva. Colocou um salto alto enquanto se maquiava e lembrou-se de uma vez que leu numa revista que a primeira peça de roupa que toda mulher deve vestir é o salto alto, mesmo que nem fosse sair com ele, só pra se sentir impecavelmente sensual. Riu sozinha por não saber se enquadrava isso no campo das coisas sábias ou fúteis. Quebrando toda a rotina, decidiu não ir dirigindo daquela vez e aceitou a carona de uma amiga. A intenção era ficar o mais livre possível mesmo, sem aquela preocupação por antecedência de não poder extravasar a seu bel prazer. Chegou ao local do show que iria assistir e notou-se muito receptiva em relação aos outros, como se o universo, naquele instante, devolvesse-lhe o forte magnetismo de outrora. Surpresa e animada, bebeu a primeira cerveja e ficou ligeiramente tonta. Estava em comunhão com as pessoas e com todos os “eus” que lhe habitavam. Deixou a saudade mal curada lhe invadir e salpicar-lhe na cara uns bons momentos de uns anos atrás, quando cantou a despedida dos cegos do castelo para cuidar de um jardim, do jantar e do céu e do mar. Por onde ele andou enquanto ela o procurava? Salpicos de desencontros, também. Bebeu mais três cervejas. Abraçou com intensidade. Cantou em coro. Gargalhou junto de amigos sobre as tantas (e atuais) fases de agouro. Deixou que o mar ao lado e a maresia lavasse tudo isso. Sentiu-se realmente bem. Gritou aos quatro ventos: demônios devidamente exorcizados!

domingo, 23 de março de 2008

Da série: narrativa de metaformoses I

De súbito, lembrou-se da passagem de A paixão segundo G.H. onde Clarice narra o episódio da barata e riu em pensamento por causa da comparação esdrúxula. Mesmo que tentasse pensar, sabia que não conseguiria. Era coisa demais para a sua cabeça de ervilha. E se conseguisse? Teria medo? Constrangimento? Tudo que ela queria era a possibilidade de um botão de retroceder, entretanto não naquele exato instante. Ali, não sabia o que queria, mas desejava ter qualquer válvula escapatória pra quando processasse qualquer coisa. O pior é o fato de, no frigir dos ovos, não se tratar de uma questão de querer e, sim, de ser. Em quê se transformaria, pois? Seria muito ou pouco? Temia o buraco até então desmedido que sua alma fazia-lhe o favor de formar. – Ai! Deve ser denso -, pensava ela, captando os presságios. Já seria um caminho para algo maior que a liberdade que julgava conhecer? Tudo por causa de um momento em que resolvera afundar em si. Até pouco antes, havia uma barreira invisível que não a deixava ultrapassar as linhas-limites de si própria. Como um gole de uísque que nunca conseguiu dar, por anos, só por julgar ser muito forte. É claro que um dia até experimentou, mas fazendo questão de adicionar qualquer coisa mais doce e já conhecida. Infelizmente, ali não dava para misturar com açúcar mascavo. Engoliu a seco mesmo e, como se bloqueasse involuntariamente, nada sentiu, mas um pano de fundo lhe era muito claro: não tem volta, não tem volta, não tem. Quem era ela pra contrariar Caio Fernando Abreu quando disse que se você conseguir um dia realmente ver, você estará perdido, pois nunca vai conseguir voltar atrás no que viu e as coisas jamais voltarão a ser as mesmas?! Então se tudo que a gente percebe é porque já sentiu, estaria ela perdida? Pensou e suou frio.