terça-feira, 2 de setembro de 2008

Esse samba

Eu fui sozinha. Deus, como fazia tempo que eu não ousava tanto. A Ribeira, tão vazia em fim de tarde, tinha cheiro de saudosismo como um retrato em preto e branco. Tive medo. Cheguei, como dizem, “pelas beiradas”, quase me escondendo. Tirei o celular da bolsa, fingi tentar ligar para alguém, olhei meio inquieta pro relógio... Pelo o amor dos deuses, como é difícil estar só estar só vez em quando! Devo ser mesmo muito extremista, pois bem sei a vontade danada que tenho de dar minhas voltas solitárias, a fim de conferir o ambiente, quando saio com outras pessoas. No entanto, naquele buraco da catita, eu achei ruim estar só. Talvez eu goste de uma "liberdade segura", por assim dizer. Mas, voltando: o samba ia esquentando e todo mundo agregado. Com quem eu iria comentar que a música Desalinho é a cara da minha mãe? E que Cartola (e todo o samba da velha guarda da mangueira) é mantido no repertório das batucadas da minha família há mais de 40 anos? Só então eu percebi que o samba se torna infinitamente mais triste quando se está só. Samba é música de roda, de olhar no olho, de se apropriar do tamborim alheio enquanto o dono sai para ir ao banheiro ou pegar mais uma bebida... O que fazer? Decidi respirar fundo e curtir mesmo assim. Pelo samba, o sacrifício era mais que válido. A cerveja e a música foram me animando cada vez mais e, quando percebi, já estava com os pés ganhando vida própria, involuntários, doidos para sambar. O canal se abriu e as pessoas ao redor me acenaram com a mão, num gesto de aprovação à ousadia que começara tão cabisbaixa. As meninas da mesa à frente tomaram coragem e me chamaram para perto. Os músicos tiraram o chapéu e atenderam nosso pedido de Tiro ao Álvaro. Quase havia me esquecido que o samba é isso. O samba é buliçoso. O samba balança, mas não cai.

4 comentários:

Marcelo Tavares disse...

"e, quando percebi, já estava com os pés ganhando vida própria..." Putz.. Como não sentir inveja desse momento? Texto impecável. Saudade.

Gabriel disse...

Existem coisas que a gente acha que não podem ser legais, até que nos permitimos, estamos lá, e de repente sentimos e percebemos que somos muito maiores do que imaginávamos e, principalmente, que é delicioso abrir as portas para a intensidade de certos momentos! :)

beijo grande!
:***

Anônimo disse...

Ah, também gosto dessa ousadia confortável, dessa liberdade protegida de quando a gente sai à lugares nos quais não combinamos com ngm e vamos só, pra ver qual é, mas que sempre sabemos que aparecerá algum conhecido...mas,sem a certeza, encarar o novo mesmo, o desconhecido. É de uma solidão nem sempre boa, é de uma melancolia que até ameaça.
Mas a música essa deusa da comunhão universal mudou tudo.
Ah, teria ido com vc... vc chamou!!!
hauahuauha
ei, adorei a crônica.
beijão

Anônimo disse...

o samba é bom pq faz roda, faz conversas, faz danças...